Crônica: A Sombra da Mangueira

o mundo parece caber inteiro num pedaço de quintal.

Tem um banco de madeira lá no quintal que já se moldou ao meu jeito de sentar. Tá meio gasto, meio torto, mas parece que ele me espera. Fica embaixo da mangueira, que espalha uma sombra boa, dessas que abraçam sem pedir nada em troca. Ali, o tempo desacelera. Parece que o mundo tira férias por uns minutos.

As folhas da mangueira são grandes, verdes de um jeito que só o verão entende. Elas se mexem com o vento, como se estivessem dançando sem plateia. O sol, meio brincalhão, se esconde entre os galhos e desenha formas no chão de terra. O ar tem cheiro de fruta doce, e às vezes uma manga despenca com um “toc” seco — como se a árvore dissesse: “tô viva, viu?”

Do outro lado da cerca, uma criança corre descalça, rindo de alguma coisa que só ela sabe. O vizinho tá lá, varrendo a calçada, e o som da vassoura se mistura com o canto dos passarinhos. Um gato atravessa devagar, com aquele jeito de quem não tem pressa pra nada.

Fico pensando no tempo. Pra criança, a tarde parece que nunca vai acabar. Pro vizinho, é só mais uma tarefa antes do jantar. Pra mim, é um presente raro, desses que a gente guarda sem saber onde.

A mangueira já viu muita coisa — sol forte, chuva de repente, talvez até umas conversas que ninguém mais lembra. Acho que por isso ela oferece essa sombra tão boa. Ela entende que tudo passa, que a vida tem seus altos e baixos, e que às vezes só o silêncio resolve.

E aí, sentada ali, percebo que não são só os grandes momentos que contam. Tem também esses instantes pequenos, quase invisíveis, que acabam virando parte da nossa história. Como esse agora, em que o mundo inteiro parece caber nesse pedacinho de quintal.

Quando levanto pra voltar pro corre do dia, levo comigo uma certeza tranquila: sempre que eu precisar, a sombra da mangueira vai estar lá. Não só pra refrescar, mas pra lembrar que viver também é saber parar.

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©Silvia R. Baptista