Sessão de Cinema no Reino do Sofá

 

A pipoca estourava na panela, liberando aquele cheiro inconfundível que parecia anunciar: “o espetáculo vai começar”.

O sofá já não era apenas um objeto encostado na sala. Era território vivido, moldado pela memória de quem se deitava e se encolhia nele ao longo dos anos. As almofadas, ligeiramente tortas, guardavam a marca de tardes preguiçosas, de cochilos roubados e de conversas que atravessaram madrugadas. Naquela noite, mais uma história se somaria àquelas já escondidas no tecido gasto: a clássica sessão de cinema em casa.

Na cozinha, a pipoca começava a estourar. O som ritmado dos grãos batendo contra a tampa parecia a introdução de um espetáculo. O cheiro amanteigado invadia os cômodos e anunciava: “é hora de desligar o mundo lá fora”. Era curioso como aquele aroma carregava lembranças de tantas outras noites iguais — ou talvez nunca iguais de fato, já que cada filme trazia um humor, uma companhia ou uma solidão diferente.

De volta à sala, ela ajeitou a tigela sobre o colo. Primeiro puxou a manta até cobrir os pés frios, depois afundou o corpo lentamente, procurando aquele encaixe perfeito que só um sofá cúmplice pode oferecer. Ao lado, o controle remoto repousava como um cetro de poder: com um simples clique poderia pausar, avançar, retroceder, escolher. Ali, naquele pequeno reino de tecido e espuma, não havia disputa. Ela reinava sozinha.

As luzes foram reduzidas a um tom suave, quase tímido, o suficiente apenas para evitar que a pipoca se perdesse em quedas trágicas pelo tapete. Do lado de fora, a cidade mantinha seu ritmo apressado, buzinas se cruzando, passos ecoando nas calçadas. Mas ali dentro, o tempo parecia suspenso, como se o relógio tivesse sido gentilmente desligado.

O filme começou. Imagens se desenrolavam na tela, mas a experiência ultrapassava a história em si. Era também o calor discreto da manta, o estalo crocante da pipoca nos dentes, a liberdade de rir sem medir o volume da própria voz. Era poder comentar sozinha uma reviravolta absurda ou, simplesmente, pausar tudo para buscar mais manteiga sem precisar pedir licença.

Havia uma magia invisível naquele instante: a sensação de estar exatamente onde queria estar. O sofá abraçava como um velho amigo, a pipoca cumpria seu papel de fiel escudeira e a tela, sem exigir nada em troca, oferecia mundos inteiros sem que fosse preciso dar um único passo. Era um luxo silencioso, desses que não se compram em loja alguma — se constroem aos poucos, grão por grão, cena por cena.

Quando os créditos finalmente subiram, ela não se apressou em se levantar. Ficou ali, imóvel, como quem segura o último punhado de pipoca para que dure mais tempo. Porque, no fundo, a verdadeira sessão não estava só no filme que acabara de terminar, mas no simples prazer de ter criado, dentro de sua própria sala, um pequeno cinema particular — íntimo, confortável, irreplicável.

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©Silvia R. Baptista